domingo, 17 de agosto de 2025

Os vendilhões do Brasil

 


Não é só no templo de Jerusalém que habitam vendilhões. 

No Brasil, eles se consolidaram no poder, criaram uma estrutura social, política e econômica que impossibilita o surgimento de qualquer Jesus com força para expulsá-los do templo! Senão que eles próprios vendem o país inteiro “em nome de Jesus”.

         O Brasil nunca teve uma elite com o propósito de desenvolver uma filosofia e cosmogênese próprias que encarnassem o “espírito” do desenvolvimento nacional de forma autônoma e corajosa. Ao contrário. Sua “tradição espiritual” e visão de mundo é reproduzir os valores ocidentais europeus e estadunidenses — como, por exemplo, a ideologia do “livre mercado” — para tentar se integrar no mercado mundial e vender o país. Esta “tradição espiritual” e visão de mundo transforma-se em tipos particulares de mentalidade e psicologia social nas massas, que tomam como se fossem suas, embora nada influem e só sofram.

         Os vendilhões do Brasil criam teorias, ideologias, signos e narrativas diariamente para continuarem vendendo o país, pois daí vem o seu lucro e o seu modo de vida dominante. Menosprezam o povo e, indiretamente, o próprio país — sua cultura, seus costumes, dificuldades, sofrimentos, história, etc.

         Podemos nomear os principais vendilhões do país: a grande mídia (que controla a narrativa através do seu noticiário econômico diário); FEBRABAN (que controla a farra dos juros e do sistema financeiro); FIESP (que mantém o poder econômico centrado em São Paulo e numa indústria esquálida, voltada a glorificar o agro, se contentando com a condição subalterna no mercado mundial de produtos primários); o agronegócio (que manda e desmanda no país, controlando terras, desmatando, assassinando índios e quaisquer opositores Brasil afora, desde a época colonial, só mudando de produto de exportação ao longo do tempo); os políticos da direita e da extrema direita — em especial os bolsonaristas, que encarnam o espírito da entrega colonial — que sempre governaram o Brasil em nome deste projeto de o vender ao imperialismo à preço de banana; e, por fim, a esquerda reformista e conciliadora, que faz aliança com todos os vendilhões em nome de uma governabilidade que, em última análise, ajuda a manter toda a estrutura de dependência e semicolonialismo, além de burocratizar e paralisar o movimento sindical.

         Um país soberano, na prática, não deve tolerar que os interesses econômicos — sobretudo os estrangeiros — ditem seus imperativos para a esfera política e econômica. 

Isso, no entanto, é justamente o que ocorre no Brasil e na América Latina: os interesses econômicos da cúpula do mercado mundial ditam o que é certo e errado, a mídia comercial reproduz à exaustão e os vendilhões — que lucram milhões com essa submissão — obrigam os seus políticos de estimação à traduzirem tudo isso em sua prática política.

         Vejamos um exemplo:

         O projeto de “modernização” do corredor ferroviário que liga a Bahia e o Acre ao Peru, proposto pelos chineses, não tem nada a ver com uma integração nacional e latino-americana, mas tem como objetivo central facilitar o escoamento da soja e da carne do agronegócio para a China. Não há, portanto, nenhuma grande preocupação com o desenvolvimento econômico que redunde num bem-estar social do povo, mas apenas no atendimento das demandas do agronegócio, que nos remetem aos tristes tempos do colonialismo português, quando se produzia pau-Brasil, açúcar, ouro e café. 

O Brasil foi fundado sobre esses interesses: primeiro foram as feitorias e fortalezas portuguesas no litoral; depois foram as ferrovias de capital inglês; no século XX foram as rodovias, montadoras e petroleiras ianques. No século XXI é o agronegócio e a sua exportação para a China, embora sobrevivam muitos vendilhões ligados ao imperialismo estadunidense em distintas esferas.

         Os vendilhões possuem muita grana, o que possibilita financiar jornalistas, escritores e publicitários nas mais distintas esferas para propagandear os seus interesses individuais e mesquinhos como sendo o mesmo que o desenvolvimento nacional. No entanto, são justamente estes mesmos interesses que mantém o povo vegetando na miséria, no desemprego e numa economia que lhe é estéril, porque não se preocupam e nem querem projeto de país diferente dessa estrutura econômica.

         Trata-se, portanto, da manutenção do Brasil como um país semicolonial, enquanto vendem a imagem de único “desenvolvimento” possível. Os vendilhões se adaptam rapidinho aos “novos tempos”: antes Portugal, Inglaterra e EUA; hoje a China!

         A briga, portanto, se dá entre os vendilhões que querem dar de bandeja o país ao imperialismo dos EUA, que não aceita perder seu trono, caluniando, sabotando, dando golpes e matando; ou para aqueles que querem começar a negociar a venda do país em condições um pouquinho melhores para a China.

         Até quando o povo brasileiro tolerará esse tipo de conduta?

domingo, 3 de agosto de 2025

Que discurso de soberania é esse?

Para de fato fazer valer a soberania nacional é preciso ter clareza sobre o que ela é e sobre quem pode anulá-la. Uma visão equivocada, como as que tem pipocado nas redes sociais do governo e de muitas pessoas, pode embaçar a compreensão e o nosso arremedo de soberania ser solapado com um sopro.
O discurso centrado exclusivamente no fato de que as tarifas de Trump e a submissão dos bolsonaros aos EUA visam o benefício individual dos membros dessa família é equivocado. É evidente que eles se beneficiam da situação enquanto indivíduos, mas o que Trump e os EUA estão visando não é prioritariamente a defesa dessa família, que é só um instrumento (como já existiram tantos outros), mas sim os interesses estratégicos dos EUA na América Latina frente à China e Rússia.
Era isso que precisaria estar sendo ressaltado pra gente começar a entender o que é soberania, ou falta dela.
Outro fator não menos importante é a submissão do Brasil às big techs (google, facebook, whatsapp, etc.), que podem fazer um apagão tecnólógico, de dados, de funcionamento do país se assim o desejarem. Frente a isso não há plano B, nem projeto alternativo de desenvolvimento tecnológico nacional, o que demandaria investimentos que o governo não fará porque o orçamento federal é sequestrado pelos interesses do sistema financeiro e pela cúpula do mercado, que ainda são controlados pelos EUA.

Que soberania é essa, então? 

***

Outra coisa que não deveria nos descer é esse papo furado de 200 anos de boas relações diplomáticas entre EUA e Brasil que prega a esquerda festiva e a grande mídia burguesa.
Daonde?
Comprovadamente os EUA deram, pelo menos, 3 golpes de estado no Brasil pra mudar o governo. Isso são boas relações diplomáticas?
Quer dizer: ou tu tem o governo que eu quero, que me beneficia, ou então eu dou um golpe de Estado na tua "democracia"...
Que boas relações são essas que um tem déficit comercial crônico e sofre golpes de Estado patrocinado pelo outro lado?

quarta-feira, 16 de julho de 2025

A meia soberania do governo Lula

As tarifas de Donald Trump contra o Brasil parecem acender uma brasa nacionalista em parte do povo brasileiro e, em especial, na militância petista. De fato, as declarações e posições de Lula foram importantes, há muito tempo não vistas por um presidente brasileiro. Tais declarações jamais seriam dadas pelo bolsonarismo em seu "patriotismo" que é tão vira-lata que se orgulha de ter “conquistado” tarifas estrangeiras contra o seu próprio país.

        No entanto, apesar das declarações, é importante ponderar que ainda estamos muito longe de uma soberania real. Declarações sem ações concretas são palavras que o vento pode levar. Há toda uma estrutura política e econômica que deixa o Brasil subordinado aos imperialismos e, em especial, ao estadunidense.
        Vejamos um caso ilustrativo a título de comparação.
        Em função da guerra da Ucrânia, a Rússia sofreu diversos tipos de sanções, inclusive de sonegação de tecnologia por parte dos países ocidentais — como ela é o combustível da economia eletrônica, isso equivale a um embargo de petróleo do século XX.
        Quem nos explica como a Rússia reagiu à estas arbitrariedades é o próprio ministro das finanças russas, Anton Siluanov. Ele disse em uma entrevista o que segue:

        “Nós seguimos uma política financeira responsável em termos de baixo endividamento
[público]. Temos uma dívida equivalente a 15% do PIB. A dívida pública é provavelmente uma das mais baixas do G-20. Quando as sanções e restrições foram impostas à Federação da Rússia, concentramos principalmente nossos recursos financeiros no apoio às pessoas, ajudamos as famílias com crianças pequenas a partir de fundos adicionais. Fizemos mudanças tributárias que aumentaram a justiça. Assim, as pessoas que podiam e ganhavam mais, podiam contribuir mais para o orçamento. Fizemos uma escala tributária progressiva. Isso forneceu recursos precisamente para ajudar as pessoas que precisam do apoio do governo.
        Concentramos recursos para garantir a soberania tecnológica. Algumas tecnologias nos foram negadas. Começamos a desenvolvê-las por nós mesmos, direcionamos recursos para lá, juntamente com o setor empresarial, estabelecendo as competências respectivas nos setores de engenharia mecânica de produção de rádio-eletrônicos; naqueles setores em que costumávamos importar alguns produtos, equipamentos, bens tecnológicos para motores para a fabricação de aeronaves, construção naval e assim por diante.
        De qualquer forma, começamos nosso trabalho de substituição de importações e obtenção de nossas próprias competências. Tudo isso levou a que a dinâmica do desenvolvimento econômico e o impulso orçamentário fossem bons.
        Funcionou.
        E temos crescido nos últimos anos a uma taxa acima dos 4%. Este é um bom resultado, acima da média mundial.
        Agora o nosso Banco Central, no final do ano passado, início deste ano, viu riscos de aumento da inflação e tomou as decisões necessárias para controlar o aumento dos preços. Isto, é claro, afetou a dinâmica de desenvolvimento, mas vemos que, em geral, no ano corrente, esperamos uma dinâmica de crescimento econômico de cerca de 2%. Estas são as nossas expectativas para o ano corrente.
        Então, quando você pergunta, qual é a experiência?
        É a experiência de uma política orçamentária responsável, concentração de recursos nas principais prioridades às pessoas e ao desenvolvimento tecnológico. E, consequentemente, no futuro, sempre olhamos para vários anos à frente. Como o orçamento é elaborado e quais os fundos. E o principal é que coordenamos nossas ações, tanto da política orçamentária como da política monetária e de crédito. Em geral, estas são as decisões estruturais que o governo da Federação da Rússia toma. Coordenamos as ações do Banco Central. Parece-me que isso é uma garantia de que todas as sanções externas não serão dramáticas”
(entrevista concedida à Sputnik, no início de julho de 2025).

        Reparem a diferença entre soberania e meia soberania!
        Ainda que tenhamos as mais severas críticas ao governo de Putin, sobretudo no que tange à relação com os vizinhos, é preciso aprender com suas medidas econômicas de governo se queremos falar em soberania. A preocupação do governo russo com o povo comum é o mínimo — isto se ela existir de fato —, dado que existem oligarcas bilionários que vivem da exploração de muitas riquezas naturais do país. De qualquer forma, a reflexão é válida.
        Conforme pudemos ver, a primeira ação a ser realizada é a soberania sobre as próprias decisões econômicas, fato que nunca aconteceu no Brasil — nem mesmo nas gestões petistas. Gerir a própria economia é algo que está muito longe da presidência brasileira, por isso há que se ter cautela com declarações políticas que não possuem respaldo no campo econômico.
        Além das possibilidades reais de golpes políticos (militares, parlamentares, jurídicos, midiáticos, etc.), existem inúmeros mecanismos econômicos do “livre mercado” que podem ser usados para chantagear e estrangular o governo brasileiro, como as taxas de juros, os ajustes fiscais, as tarifas protecionistas, a sonegação de tecnologias, etc. A fragilidade econômica brasileira é tão evidente que todos os membros dos BRICS sabem que o Brasil pode ser descartado do bloco, caso a presidência do país seja assumida pelo bolsonarismo ou por qualquer outro agente entreguista da direita.
        Quem decide os juros e rendimentos brasileiros é o sistema financeiro e o Banco Central “autônomo”, o que tem impactos direto na inflação e, consequentemente, no custo de vida do povo, possibilitando a manipulação midiática da popularidade do governo. O Itamaraty tem funcionários que operam por si mesmos, sabotando decisões da presidência da República e dos BRICS. A mentalidade da maioria do povo endossa a ideologia de “livre mercado”, que opera nos bastidores e defende golpes de Estado sempre que a “sua liberdade” for ameaçada — sem dó, nem piedade. A política e a grande mídia estão dominadas por esta narrativa, que obriga qualquer governo a andar sobre o fio da navalha.
        Basta um golpe de Estado, dado com os métodos neofascistas da manipulação da psicologia de massas, para que a presidência do país volte a se alinhar totalmente aos EUA e, portanto, destrua qualquer sombra de soberania e sirva como um cavalo de Tróia nos BRICS.
        A aliança do governo Lula e do PT não é apenas com Alckmin e o centrão, mas com o empresariado nacional, o agronegócio e o STF — incluindo até mesmo a Rede Globo! Estes setores sociais são totalmente instáveis, submissos aos EUA e se vendem a quem pagar mais, mesmo que momentaneamente tenham se indignado com o tarifaço do homem-laranja e a sua tentativa de ingerência sobre o julgamento de Bolsonaro. E, como sabemos, os EUA chantageiam de distintas formas, inclusive prometendo “pagar mais” para possíveis futuros aliados. Nenhum deles tem, portanto, o interesse em um Banco Central que controle as taxas de juros, a inflação e que se pense o país para “vários anos à frente”; tampouco possuem a firmeza necessária para assegurar a soberania brasileira frente à pressão do imperialismo — sobretudo quando eleições polarizadas se vislumbram no horizonte e um golpe estadunidense pode vir por muitos meios que o PT não tem condições de enfrentar com uma política social-democrata, conciliadora e mantida, basicamente, por discursos e “boas intenções”.


        Além disso, o “centrão”, o agronegócio e o sistema financeiro são radicalmente contra qualquer taxação de suas fortunas. O STF, por sua vez, lava as mãos nesta disputa, dizendo que é a “política que tem que resolver”. O governo não tem projeto de desenvolvimento nacional autônomo. Quer vender “soberania” a partir de negócios com a China, deixando ela ditar o desenvolvimento industrial e infraestrutural — para o empresariado e o agronegócio não é problema algum. Muitos setores da “esquerda” também apostam todas as fichas na relação com a China, vendida como o modelo “socialista do século XXI”.
        E o movimento sindical? Este continua subordinado ao sindicalismo burocrático petista que é incapaz de fazer mobilizações independentes que sejam o reflexo do povo nas suas reais bases sociais — e na maioria das vezes atropela autoritariamente oposições. Até o presente momento tem perdido a adesão social de massas para a direita neofascista.
        O PT — através da Fundação Perseu Abramo — força a barra quando diz que Lula tem “medidas concretas” para enfrentar Trump (para ler, clique aqui). Não! Todos os principais canais da economia e grande parte das instituições políticas estão mais nas mãos do imperialismo estadunidense e dos seus aliados nacionais (o empresariado, o sistema financeiro, o agronegócio e a grande mídia) do que nas do governo brasileiro — e isso precisaria ser levado seriamente em consideração.
        Existe um “tema de casa” de enfrentamento aos vendilhões do país, bem como à sua estrutura econômica, que os governos petistas precisam fazer desde 2003 e, agora, tentam resolvê-lo apenas com palavras.

domingo, 13 de julho de 2025

O imperialismo estadunidense frente à cúpula dos BRICS no Brasil

 

Ao fim da 17ª cúpula dos BRICS no Rio, até dá pra sonhar: o Brasil como um centro mundial que recebe diversos países, sendo uma opção às estéreis e antidemocráticas reuniões da ONU e do G-7; o BRICS como uma alternativa real aos desmandos do imperialismo estadunidense, fazendo uma "revolução silenciosa" e uma transição pacífica de uma "ordem de guerras" e do "imperialismo do caos" para uma ordem multipolar, onde civilizações, culturas e povos são respeitados no que são.
As fotos da cúpula são bonitas; os encontros e os discursos também. No entanto, o imperialismo não é um tigre de papel. Ele opera, confunde e sabota.
A Casa Branca se remói. Não pode parar o processo do BRICS de forma pacífica. Nunca pararam pacificamente nenhum processo democrático de integração ao longo de todo o século XX e não o farão agora, no século XXI.
Trump, o deep state e o neofascismo já colocam a sua máquina pra funcionar: o homem-laranja afirma que países que fizerem parte dos BRICS pagarão tarifa de 10% nas exportações aos EUA. Faz drama sobre o processo contra Bolsonaro no STF para atiçar a sua base social. Os filhos prometem: "esta não será a única novidade vinda dos EUA".
Isso só pode significar uma coisa: golpe!

E os golpes não serão como os de antigamente (as tarifas de Trump são apenas o começo do novo tipo de manipulação). A máquina do imperialismo estadunidense é ágil e se recicla rápido. Nada de utilização do exército! Será via incitação do movimento de massas neofascista, ao qual o petismo e a "esquerda" em geral não sabem enfrentar, nem sequer reconhecer, uma vez que ignoram a psicologia de massas, sua própria atuação, dentre muitas outras coisas...

sexta-feira, 20 de junho de 2025

O agro é atraso! O agro é colonização! O agro é escravidão!


Ao que tudo indica, não é apenas a Rede Globo que sustenta que “o agro é tech, o agro é pop, o agro é tudo!”.

         Num post da internet que coloca o seguinte questionamento: “qual o maior inimigo de classe no Brasil?”, o profeta do “socialismo chinês”, Elias Jabbour, sustenta o seguinte:

         “O agronegócio não é meu inimigo principal de classe. O meu inimigo de classe é o capital financeiro”.

         E ele nem cora de vergonha!

         Como sabemos, o agronegócio é o principal exportador de soja e carne para a China. Ele está totalmente interconectado com o capital financeiro. O sistema financeiro e o agronegócio são os principais beneficiários e patrocinadores da atual situação econômica semicolonial do nosso país. Para Jabbour, no entanto, o Brasil só pode se desenvolver se estiver colado à China, independentemente de que papel cumpra nessa relação.

         Se é certo que se deve observar atentamente a relação Brasil-China não só a partir do agronegócio, mas dos BRICS e da geopolítica mundial, certamente não se deve embelezá-lo perante o povo, uma vez que um dos principais expoentes da chamada “elite do atraso” é, justamente, o agronegócio.

         É o agronegócio a continuação das típicas relações coloniais do Brasil que escravizaram o seu próprio povo para enriquecer metrópoles estrangeiras. Todo o projeto de “modernização” e “infraestrutura” proposto pela China e apoiado entusiasticamente por empresários do setor, políticos de direita e “esquerda”, e militantes como o próprio Jabbour, visam escoar a sua produção ao exterior em detrimento de uma industrialização que atenda aos reais interesses e anseios do povo brasileiro.

         É o agronegócio que mantém posturas extremamente autoritárias na política, no campo, nas legislações. Não há diálogo quando seus interesses são questionados. Sua postura não é só totalitária, é colonial! Nos remete aos tempos portugueses do açúcar, do ouro e do café. Quem lhe questiona é esquartejado, simbólica ou fisicamente.

         Por isso a linha política de Jabbour mais parece a busca por uma nova metrópole — com um discurso arrojado, atraente e “igualitário”, mas, ainda assim, uma metrópole! — do que uma emancipação política e econômica do Brasil. 

Certamente o projeto de subordinação aos EUA que vigorou até hoje não é melhor, senão que é mais predatório e violento, tanto no discurso, quanto na prática. No entanto, não são os chineses que devem dizer como tem que ser a nossa industrialização e o nosso desenvolvimento econômico; nem nós deveríamos esperar por isso.


quarta-feira, 21 de maio de 2025

Os investimentos chineses, os BRICS e o velho impasse petista

O governo Lula anuncia investimentos da China no Brasil. Parte da militância petista já prega a aurora de um novo tempo: “a visita de Lula à China consolida a cooperação em setores estratégicos e reforça o papel do Brasil na construção de uma ordem multipolar” (para ler clique aqui).

         A euforia destes anúncios não pode esconder a realidade para olhares mais atentos: os 27 bilhões de reais não significam mudança real para o povo, porque esses investimentos são efêmeros para quem depende do próprio trabalho para viver. Eles visam, no geral, apenas o enriquecimento empresarial — e, mais especificamente, o agronegócio —, que reverterá todo esse dinheiro para si mesmo em um mercado interno e um sistema financeiro totalmente desregulamentados, que não atendem as necessidades do povo para um desenvolvimento equilibrado do país.

         Além disso, no Brasil nunca se pode descartar um novo golpe de Estado patrocinado pelos EUA, que estanque esses investimentos e criem uma cunha nas relações com a China e os BRICS. Portanto, não podem esconder com palavras que o papel do Brasil na construção de um mundo multipolar não está assegurado de forma alguma, quanto mais consolidado.

         O governo Lula e o petismo vendem a ideia de que a partir da busca de investimentos no exterior, “criação de empregos” e do crescimento de áreas da economia nacional, sem um planejamento integrado, coerente e contínuo, é possível desenvolver o país e assegurar uma vida justa ao povo.

         Não.

         Nada pode substituir o enfrentamento aos setores que sugam a riqueza do país e as enviam para o exterior, deixando-o sem o menor controle sobre a própria economia. Enquanto Lula anuncia esses investimentos chineses, a política nacional continua controlada pela velha elite agroexportadora — que possui uma bancada muito bem organizada e militarizada no Congresso Nacional, intimidando e perseguindo opositores —, além do sistema financeiro e dos banqueiros, que asseguram aos capitalistas estrangeiros o monopólio e o controle sobre o país. 

Sendo assim, estes investimentos não podem se reverter em uma realidade melhor para o país, mas em algo passageiro, que não pode deter a crise política e os inevitáveis impasses do final dos mandatos petistas, pautados na conciliação de classes.

 

O Brasil e os BRICS

         Há quem veja nos BRICS e, em particular, na relação do Brasil com a China, a redenção do nosso país de sua condição de neocolônia.

         No entanto, somente os governos petistas apostam nos BRICS — e ainda sim de forma muito limitada. O bolsonarismo já anunciou que tiraria o país do bloco caso voltasse ao poder. Aliás, até podemos concluir que a criação do movimento bolsonarista no Brasil pelos EUA tem esta finalidade central.

         Mesmo assim, o petismo — sob o governo lulista — não vai além de “uma busca de investimentos” na China quando trata dos BRICS. Age, portanto, moderadamente para não causar atritos externos com os EUA; e internos, com as forças políticas e as hegemonias sociais que agem em nome do imperialismo ianque. Fala em soberania nacional, critica os tarifaços de Trump, busca fóruns e inúmeras cúpulas estéreis para a integração latino-americana, mas teme à morte a desdolarização e o enfrentamento com o imperialismo.

         A atual presidência brasileira dos BRICS tem agido mais como uma força “neutra”, diretamente pró-EUA, do que como um ator soberano e independente, interessado em fortalecer e consolidar o suposto “mundo multipolar”.

         Os sites “The Saker” e “Global South” tem criticado duramente a presidência brasileira dos BRICS, principalmente após a reunião de ministros do exterior, ocorridas em 28 e 29 de abril, no Rio de Janeiro: “Brasil tenta impedir o avanço dos BRICS” (para ler, clique aqui).

         Isso não acontece por acaso: o governo Lula e o petismo não lutam por criar uma nova correlação de forças internas. Como, então, poderá orientar a sua presidência do bloco a criar uma nova correlação de forças internacionais?

         O petismo provavelmente deixará o país à mercê de novos golpes da direita, porque seu projeto não avança para além do velho programa liberal de esquerda, com um sindicalismo burocrático e carreirista, limitado pela estratégia eleitoral — que dá maiorias à direita nas instituições políticas e sociais. Além do mais, o petismo não combate coerentemente a hegemonia da ideologia de livre mercado e a mentalidade meritocrática da maior parte da população, senão que as reforça.

 

Os limites dos BRICS e os limites do Brasil dentro do bloco

         Este blog já analisou os limites dos BRICS (para ler, clique aqui), que, como sabemos, é liderado por China e Rússia.

         A multipolaridade proposta por estes países poderá substituir com êxito a hegemonia estadunidense ou apenas criará uma outra “hegemonia multipolar”, com uns poucos “polos” a mais e uma grande periferia com pequenas elites econômicas dominantes sobre uma maioria de pessoas exploradas? Isto é: conseguirá criar um mundo melhor do que o existente ou apenas novas formas de dominação, mais refinadas e sutis? Tal mundo multipolar conseguirá reintroduzir valores humanos e socialistas na economia e na sociedade ou apenas modificará e refinará as formas de capitalismo?

         Além destas contradições intrínsecas ao bloco, existem as contradições próprias do Brasil que correspondem às suas limitações geopolíticas na arena internacional e do petismo como condutor deste processo, que permanece prisioneiro da hegemonia estadunidense, pois constrói suas críticas sobre postulados como “democracia”, “liberdade”, “igualdade”, “direitos humanos”, “respeito às leis de mercado” [monopolizado] etc., o que revela uma visão centrada no Ocidente como valor universal — ou seja, está enredado nas pautas e agendas cínicas dos EUA e dos seus agentes nacionais.

         Em síntese, o governo brasileiro atua como uma espécie de cavalo de Tróia dentro do bloco, agindo de forma contrária a tudo o que esperam os governos de China e Rússia e, em especial, dos teóricos do chamado mundo multipolar. Sem enfrentar a elite brasileira frente a frente, repensando o país, sua economia e instituições, não há como atuar de forma soberana dentro e fora dos BRICS.


domingo, 6 de abril de 2025

Existe relação entre a "educação especial" e a mais-valia relativa?

 

A educação especial é um sinal dos nossos tempos.
De repente descobriu-se uma série de transtornos e deficiências nos mais variados níveis entre as crianças e passou-se a levá-los em consideração.
Ninguém em sã consciência pode ser contra incluir alunos autistas, disléxicos, com TDAH, com síndrome de down, etc., nas salas de aula. Toda convivência humana é importante e, com mais razão ainda, se faz necessário tentar incluir alunos com transtornos e síndromes.
No entanto, a maneira como se tem feito isso é que gera transtornos na vida dos professores, dado que se chega com inúmeras demandas, exigências, protocolos formais e, muitas vezes, estúpidos, em sistemas educacionais saturados e repleto de problemas nunca enfrentados.
Eu, particularmente, considero importante incluir os alunos especiais em turmas regulares, porém, isso deve ser feito com sabedoria e sem pressão descabida.
Sinceramente, eu penso que o que podemos fazer em salas de aulas com 25 ou 30 alunos é observar o comportamento dos alunos especiais e a sua relação com a turma. Que todos os especialistas, psicólogos, supervisores, "gestores", prefeitos, governadores e presidentes assumam uma sexta ou sétima série por uma semana e tentem dar aula para ver se eu estou exagerando.
Caso passem nesse teste, aí terão autoridade para exigir com rispidez e autoritarismo.
A "grande solução" encontrada para enfrentar as demandas foi colocar monitores, que acompanham os alunos especiais. Sem dúvida é muito importante, mas ainda assim não resolve o problema, dado que muitas vezes estes também são tomados por outras tarefas, não podendo estar diariamente. Além do que, na maioria das vezes, com inúmeras turmas, exigências burocráticas, trabalhos e provas, é muito difícil e penoso realizar "atividades especiais".
Os nossos "gestores" da educação querem ganhar os seus "selos de qualidade" e "humanismo" às custas do aumento da nossa exploração e carga de trabalho. Eles levam a fama; nós o trabalho dobrado, que, na maioria das vezes, é formal, porque é humanamente impossível dar conta de uma turma e, ainda por cima, pensar com qualidade as atividades, mais a integração e a correção de cada avaliação.
Eis aí o paralelo entre a "educação inclusiva" e a mais-valia relativa: para Marx, a mais-valia relativa ocorre quando o capitalista aumenta a produtividade dos trabalhadores, geralmente por meio de inovações tecnológicas, sem elevar o salário. Isso permite que, em um mesmo período, o trabalhador produza mais, gerando mais valor que será apropriado pelo capitalista.
Certamente existem limitações para essa analogia, mas ainda assim é válida. Nem os professores produzem mais-valia, nem os alunos especiais são mercadorias.
Além do quê, não se trata prioritariamente de questão salarial, ainda que o mínimo seja pagar mais por cada inclusão, já que demanda mais trabalho. No entanto, mesmo que houvesse aumento salarial, a questão não se resolveria, dado que o sistema educacional brasileiro vive em crise permanente. Portanto, trata-se, sobretudo, das condições de trabalho.
Por que as editoras que ganham rios de dinheiro com livros didáticos que muitas vezes são superfaturados e, em outros casos, como na SMED do MDB de Sebastião Melo, são usados para caixa 2, não produzem materiais adaptados para todos os tipos de transtornos e deficiências?
Os monitores podiam ser instruídos a usá-los e nós apenas supervisionaríamos e mostraríamos os assuntos que abordaríamos. O MEC, as secretarias estaduais e municipais de educação, além dos "gestores" das escolas privadas, sabem muito bem quais são os conteúdos de todas as matérias em cada série, poderiam, portanto, facilitar e colaborar com o nosso trabalho.
Então, na realidade, o problema não seria falta de planejamento e vontade política de governos e "gestores"? Por acaso eles não sabem como estão difíceis as condições de ensino e aprendizado nas nossas escolas, achando que é — literalmente — só depositar mais alunos nas salas de aula?
Eles sabem...
E o problema não termina aí: não há reuniões pedagógicas regulares e suficientes que deem conta das demandas — o que seria uma exigência mínima. Tampouco há planejamento e preocupação real em resolver estes problemas. Sequer há reuniões pedagógicas produtivas e livres para as demandas das turmas regulares.
Os sindicatos dos magistérios também não falam nada a respeito, nem se preocupam com tais problemas que tem tomado cada vez mais o caráter de cobranças arbitrárias e autoritárias sobre os professores. Só sabem formar reivindicações em torno do salário, o que é muito importante, mas nitidamente insuficiente (e, quando torna-se um ramerrão, fica contraproducente). As condições de trabalho cada vez mais precárias pela falta de estrutura, calor, frio e cobranças baseadas no assédio moral também vão nos adoecendo e nos empobrecendo de diversas outras maneiras.
Assim, vivemos no dia a dia entre o estresse das pressões de governos e direções/supervisões, a omissão dos sindicatos nas questões diárias e as ficções a que muitas vezes somos obrigados a recorrer, por bem ou por mal...

Dos fingimentos e discursos vazios existentes no sistema educacional brasileiro

 

O amargo que me dá após uma aula no ensino fundamental da escola municipal onde trabalho — que talvez nem possamos chamar de "aula" — é me confrontar com as minhas limitações e a mentira de fingir que estamos ensinando e aprendendo — fingindo que somos uma escola — fingindo que estamos nos humanizando — fingindo que estamos desenvolvendo "pensamento crítico".
Fingindo! Isso mesmo.
Sabem o significado desse verbo?
Fingir!
Eu finjo.
Tu finges.
Nós fingimos.
Certamente o fingimento começa bem acima, mas desgraçadamente se estende até o chão da escola, onde é aceito. Fingem que investem na educação — na realidade querem creches; e muitos pais não se importam com esta "qualidade" — para isso bastam 4 paredes, um telhado — não importa se com goteiras, não interessa se derretemos no verão ou congelamos e adoecemos no inverno.
Fingem, portanto, em distintos níveis e de distintas maneiras.
Os discursos são vazios. Os professores ajudam a introjetar o método e a aceitação destes discursos — incluso sua prática e, infelizmente, nas suas greves. Os alunos aprendem que as palavras não valem nada, desde o governo, passando pela mídia, até a sala de aula.

***

Me preocupam outros debates e reivindicações que nem chegam perto do sindicato dos educadores, ensimesmados nas velhas querelas e egos dirigentes.
Há um problema dos alunos do Ensino Fundamental nas periferias: uma resistência em aprender. Quase sempre reclamam se lhes fazemos ler, escrever ou damos atividades de verdade.
Certamente a estrutura precária, os poucos recursos, o calor, o frio, as cadeiras desconfortáveis, as carências da vida pessoal e o descompromisso familiar pesam; porém, há uma resistência individual assimilada da sociedade do consumo (mesmo que eles quase nem consumam de fato) e do espetáculo (esse eles "consomem" bem mais).
Essa resistência se traduz em conversas, gritos, brincadeiras pesadas, recusa em aprender, não reconhecimento dos bons professores que querem realmente fazer algo (e, nesse caso, "fazer algo" é tentar lhes passar alguma coisa, fazê-los ler, escrever, entender, pensar neles e no seu desenvolvimento intelectual de alguma forma). Às vezes, a resistência que apresentam beiram a violência simbólica e até física.
Por suposto, existem explicações a essas violências, sendo elas, provavelmente, um reflexo das violências que eles sofrem cotidianamente, como morar numa vila, que traz embutido o abuso policial, o descaso dos serviços públicos do Estado, o esgoto a céu aberto, o tráfico de drogas; em suma, a própria encarnação da violência social. Porém, isso não deve nos cegar para o fato de que existe certa responsabilidade neles, das quais eles fogem.
A maioria se nega a sequer ouvir os professores dedicados — porém, não deixa de ouvir a TV, o pastor, o MC "ostentação", o ídolo medíocre do futebol que ganha bilhões (muitos são fãs do Elon Musk, que dispensa comentários). Para os bons professores fazem ouvidos moucos e mostram toda a sua má vontade — falo sobre os "bons professores", porque existem, sabemos, muitos professores que não estão nem aí pra eles, chegando ao cúmulo de se sentirem superiores por causa de um diploma.
Para tentar enfrentar essa situação era preciso uma ação unificada do corpo docente, tendo alvos pontuais em comum, para procurar constrangê-los. Por exemplo, as reuniões pedagógicas deveria ser mais produtivas e livres para justamente poderem enfrentar essa resistência, tentando levar em consideração a realidade de cada turma e de cada comunidade, bem como esse descaso que transforma as escolas públicas de Ensino Fundamental em nulidades que servem prioritariamente para adestrar os estudantes aos fins do sistema.
No entanto, não existe essa disposição nas "mantenedoras" e nos "gestores" (outro título oco), preocupados em nos ocupar com distintas tarefas burocráticas, medíocres e alheias às reais necessidades pedagógicas de cada comunidades escolar, fazendo da tal "autonomia pedagógica" das legislações mais uma letra morta. Além disso, muitos colegas são descompromissados, sendo orgulhosos ou delirando que essa má vontade dos alunos é, na verdade, uma "resistência ao sistema" dentro da favela, comprando o discurso identitário burguês e iludindo a si mesmo que a "favela venceu".
Assim segue um dia depois do outro.
E a educação pública torna-se uma máquina de adestrar, que ensina muito pouco, mas formata bem os pobres para pedir "para ir ao banheiro", "respeitar os de cima" e achar que não há saída em nada, restando apenas trabalhar, já que "o que que eu vou ganhar com todo esse conhecimento inútil?", esperando levar vantagem em tudo o que puder e, quem sabe, um dia, ter tanta fama, reconhecimento e dinheiro quanto o Neymar e o Elon Musk.
Infelizmente a voz solitária de um educador comprometido dizer-lhes que isso nunca acontecerá porque a saída é social e não individual, esbarra nos seus ouvidos moucos...